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Enfrentamento ao racismo

Secretaria da Educação trabalha os desafios da invisibilidade étnico-raciais em Caxias do Sul

Núcleo QuERER insere temas de identificação e pertencimento no cotidiano das escolas

Colunista - Redação

Redação

redacao@serraempauta.com
27.09.2022 - 11h48min

Elisabete Bianchi/Divulgação
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Em funcionamento desde 2021, o núcleo o QuERER – Qualificar a Educação para as Relações Étnico-Raciais tem a atribuição específica de promover, orientar, coordenar e monitorar a educação das relações étnico-raciais na rede municipal de ensino de Caxias do Sul.

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Implementado pela Secretaria da Educação (Smed), o trabalho é desenvolvido nas 83 Escolas Municipais de Ensino Fundamental, nas 48 Escolas de Educação Infantil de gestão compartilhada e ainda presta suporte para a rede estadual no desafio diário de remover o véu de invisibilidade que cobre diferentes formas de preconceito impregnadas na sociedade.

"É um projeto de combate ao racismo e à intolerância às diversidades na sociedade brasileira assumido como política de Estado em 2003. Desde o ano passado e até o momento, realizamos encontros de formação e provocamos as equipes diretivas e coordenações pedagógicas para que estes profissionais, em um primeiro momento, entendam que vivemos em uma sociedade estruturalmente racista, que cada um possa se enxergar nesta sociedade e comece a pensar em mudança de posturas, em observar seu vocabulário, as expressões que usa...", descreve a assessora pedagógica Joelma Couto Rosa, especializada em Psicopedagogia Clínica e Institucional, professora da rede municipal desde 2010, ex-coordenadora e vice-diretora de escola.

Inicialmente, em 2021, fez-se uma abordagem com os gestores das instituições de ensino, para que eles pudessem multiplicar a informação com seus professores, a fim de que prepará-los para trabalhar o tema de forma mais profunda e objetiva com o público escolar. A cada dois meses, aproximadamente, o núcleo pedagógico oferece às escolas propostas de abordagem em torno da temática étnico-racial, à história e cultura afro-brasileira, africana e indígena. A metodologia utilizada é a da gamificação, por meio de desafios ou gincanas educativas.

As propostas para abordagem da temática são variadas. Em uma primeira missão, por exemplo, as escolas tinham de realizar um diagnóstico do perfil étnico-racial da comunidade escolar como um todo. Já na segunda etapa, houve a distribuição de kits de artesanato indígena M'Bya Guarani para o desenvolvimento de atividade pedagógica com as crianças/estudantes.

Em outra frente, muitas escolas têm solicitado rodas de conversa e encontros de formação com os professores, porque muitos ainda manifestam receio em falar sobre racismo.

Logomarca

O núcleo QuERER ganhou uma logomarca pelas mãos da estudante Sophya Domingues Marcos, de 13 anos, do 7º ano, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Ruben Bento Alves, no Loteamento Vila Ipê. Ela venceu o concurso com o desenho de uma efígie feminina negra, de cabeleira espessa adornada por um pente-garfo vermelho, no centro de uma mandala colorida.

"Quando saiu o resultado, ela ficou nervosa, porque não é uma coisa que acontece todo dia. Ela tem um talento para desenho e pintura que tu não imaginas. No quarto, pintou até nas portas e nas paredes. Nessa figura do prêmio ela se baseou em imagens africanas que passaram na escola, porque tem essa descendência por parte de mãe. Nós incentivamos, para ver se os filhos vão para a frente, porque não tivemos tanta sorte", revela Jorge João Marcos, pai da estudante.

O tema nas escolas

A coordenadora pedagógica da Escola Municipal de Ensino Fundamental Ítalo João Balen, Aline Turela, que atende aproximadamente 600 crianças e adolescentes, contou que a direção solicitou a assessoria para entender melhor como abordar o tema "delicado e complexo".

"O núcleo nos estimula a inserir a questão no dia a dia da escola e não apenas em novembro (mês da Consciência Negra), detectar, debater e mudar as relações com a participação dos alunos", explica.

Conforme a servidora, a aprovação por parte dos professores só não foi total, porque faltou tempo para ampliar ainda mais a conversa.

"As crianças vêm sem preconceito. Nós, adultos, é que muitas vezes corrompemos este vínculo. As pessoas exibem comportamentos de que não se dão conta. Precisamos reconstruir as relações", afirma Aline.

Outra via de acesso já consagrada com a garotada é o teatro. Na Escola Machado de Assis, o responsável por facilitar a abordagem da temática étnico-racial entre os estudantes da educação infantil até o 5º ano do Ensino Fundamental foi o Projeto Mudamundo.

"O teatro abriu as portas para trabalharmos outros temas. Os estudantes participam bastante, percebem a problemática e reagem, cada um a sua forma. Aqui estamos atuando no estágio da aceitação da identidade e do senso de pertencimento. As próprias crianças e as famílias nos procuram para abordar a questão", relata a diretora Tânia Malvina Maineri.

Já na Escola Engenheiro Mansueto Serafini, pode-se dizer que o trabalho de estudantes e professores, com o apoio do QuERER, ganhou dimensões mais palpáveis. As turmas de 6º e 7º ano produziram uma revista, publicada em formato digital, esmiuçando o impacto de questões étnico-raciais e do bullying no ambiente escolar. Os Chromebooks fornecidos pela Smed foram a ferramenta de pesquisa e produção fundamental para os jovens editores.

"Foi muito significativo para os alunos negros pela apropriação, a identificação e a possibilidade de compartilhar ideias com colegas de outras etnias. Eles ficaram muito orgulhosos com o resultado. O mais importante é que eles construíram todo o processo", comenta a diretora Gláucia Honorato.

Segundo a servidora, os estudantes lançaram mão de recursos que já conheciam e dominavam, mas que até então não percebiam que estavam relacionados aos temas de interesse. Os reflexos puderam ser sentidos de imediato no convívio do ambiente escolar.

"Percebemos uma mudança. Mais respeito, maior valorização da cultura, mais consciência do que consideravam brincadeira e seria ou não aceitável. Um olhar mais apurado, uma maior sensibilidade. Eles estão numa idade em que precisam dessa orientação. Entender que há diferenças de cultura, de modo de vida e tipos de corpos", acrescenta Gláucia.

No entendimento da diretora, é preciso que a instituição de ensino mantenha esta perspectiva constante, em tempo integral.

Na Escola Marianinha de Queiroz, após a utilização dos materiais em atividades de produção textual, história e matemática, terminou tudo em piquenique para as turmas de 4º e 5º ano, na floresta da escola – sim, a escola tem uma floresta. Entraram em cena o artesanato e a culinária indígenas.

"As crianças adoraram. Elas sempre gostam do que é diferente. Por meio da comida, eles se envolveram com a questão étnico-racial, em particular, dos indígenas, desde os anos iniciais, até os mais avançados. Trabalhamos o respeito, a cultura, os jogos, a influência e as tecnologias", comenta a coordenadora pedagógica Taís Griffante.

Interessados pela problemática envolvendo racismo, preconceito e a urgência do respeito, os mais velhos produziram um documentário em vídeo, chamado Isso É Macumba (2017).

A questão é particularmente sensível para a comunidade da Marianinha de Queiroz. Atualmente, dos mais de 600 estudantes, mais de 20 são estrangeiros. Venezuelanos, senegaleses e haitianos são os imigrantes mais numerosos.

"Num primeiro momento foi difícil. Usamos os notebooks para tradução. Hoje já temos o entendimento de que precisamos instrumentalizá-los para que tenham condições de se adaptar à realidade do Brasil. Mas veja que não é uma só etnia. Negros, indígenas, imigrantes, precisamos trabalhar e envolver todos, sempre", conclui Taís.

Conexões

Além das equipes alcançadas, o QuERER buscou multiplicar parcerias. Atualmente, estão conectados à assessoria pedagógica da Smed profissionais da Rede de Promoção da Igualdade Racial, o Projeto Mudamundo, que oferece materiais pedagógicos e livros de literatura infantil em que o protagonista da narrativa é um menino negro, e a Fundação Marcopolo, com projeto coordenado pelo rapper e educador social Chiquinho Divilas.

Existem ainda parcerias que auxiliam com formações. É o caso do Departamento de Educação e Desenvolvimento Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Com o apoio da instituição foram realizados recentemente dois ciclos de lives reunindo temáticas sugeridas pelos próprios professores da rede municipal de ensino, onde viam maior carência de estudo. Na ausência de programa similar, as lives foram abertas aos colegas servidores da rede estadual.

"Os professores estão buscando se apropriar mais. Muitos não tiveram essa formação sobre a educação das relações étnico-raciais em sua Licenciatura. Agora estão buscando, porque ainda têm muito receio de como abordar. E essa é uma tarefa do núcleo também: subsidiar os professores, auxiliá-los com materiais, propostas, metodologias, para que eles possam entender as diversas formas de trabalhar com essa temática – que não é só nas datas específicas. Deve ser ao longo do ano, a qualquer tempo com os estudantes. Deve estar no currículo durante todo ano letivo. Há muita coisa para se trabalhar, desde a história, a cultura, trazer todas as contribuições destes povos para a constituição do Brasil", explica a assessora pedagógica Joelma, que já possui a formação UNIAFRO/UFRGS: Política de Promoção da Igualdade Racial na Escola.

Em relação aos estudantes, ela observa, a conversa já é outra:

"Quando fazemos estes momentos de conversa, eles querem falar, muitas vezes, expor situações que já vivenciaram. Há uma abertura para esta temática. Principalmente com os maiores. Com os pequenos é outra abordagem. Sinto que estão sedentos para falar. Eles querem falar sobre isso, se posicionar".

Uma experiência neste sentido foi proporcionada justamente pela ponte estabelecida entre as redes públicas de ensino de Caxias do Sul e do Estado, por meio da SMED e do Núcleo QuERER. No início de agosto, estudantes do 9º ano de quatro escolas estaduais de ensino médio, com idades entre 13 e 17 anos, tiveram um desejo realizado. Uma sessão de cinema no Centro de Artes e Esportes Unificados (CEU) Cidade Nova. Em cartaz, o sucesso oscarizado – e ainda mais com aura de lenda, após o falecimento do ator principal, Chadwick Boseman, vítima de câncer – Pantera Negra. A ansiedade da jovem plateia em seguir debatendo questões de raça, gênero, direitos humanos, conciliação e entendimento quase impediu que a atividade se encerrasse ao subirem os créditos do filme.

"Foi muito importante, muito significativo. O assunto não se esgotou. Todos os professores elogiaram e pediram mais oportunidades como esta. Os alunos querem mais espaço para dialogar sobre o tema. O pessoal da [Escola Estadual de Ensino Médio] Abramo Randon continuou debatendo ao chegar na escola. Eles pediram esse movimento após o filme. O debate pede passagem", aponta Marivane Aparecida Carvalho da Rosa, coordenadora regional da CIPAVE+4ªCRE, ligada à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar (CIPAVE) da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE).

Joelma lembra a contribuição das etnias negra e indígena na construção de Caxias.

"Temos muitas referências neste sentido na cidade e muitas vezes isso não se fala. Caxias é um município plural também. E isso fica invisível muitas vezes. Sempre houve aqui uma presença negra e indígena muito forte. E precisamos enxergar estes invisíveis", finaliza Joelma.

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